Diz-nos o nosso amigo Asato no seu português incompleto que "timorense quer festa! Quer dança! Quer vinho!" De facto, ainda só estamos em Dili há duas semanas, mas este é um bitaite que já podemos arriscar acerca da cultura timorense: os eventos que mais mobilizam as pessoas são as festas.
Por exemplo, no instituto onde trabalhamos todos estão ocupadíssimo com os preparativos para a cerimónia de graduação. Todas as pessoas estão de algum modo envolvidas no planeamento e é tudo pensado ao pormenor para que o evento seja perfeito. Outro exemplo: na semana da nossa chegada fomos logo convidados para o casamento de um colega. Em Portugal seria estranho e inadequado um convite destes. Mas aqui todos são bem-vindos à festa. Estavam presentes mais de mil pessoas e todo o evento foi muito curioso e grandioso.
Reflexo do mesmo fenómeno são os serviços religiosos. Talvez não tão efusivos como os coros africanos, mas os cânticos na igreja são alegres e as pessoas parecem nascer com dom natural para cantar. A congregação canta a vozes sem ensaios. É magnífico! No domingo fomos espreitar a Catedral Católica e estava a haver missa. Ali o coro era mais clássico e também lindíssimo. É uma outra maneira de fazer a festa!
A preparação das festas exige muita energia, tempo, detalhes. O nosso olhar ocidental pode ter tendência a criticar este exagero, pois a produtividade parece ficar relegada para segundo plano. Mas talvez nós, ocidentais, tenhamos algo para aprender com o povo timorense. Este é um povo que sofreu num passado próximo e talvez hoje esteja mais apto a reconhecer a necessidade de celebrar a vida. Ao ponto de nesta cultura até os funerais serem uma ocasião de grandes ajuntamentos, comida e bebida para toda a gente. É a festa do luto, portanto.
Este traço da cultura timorense tem trazido à minha memória um poema do Joaquim de Almeida, ao qual o Luís Represas dá voz:
Enquanto mortos e vivos
Enquanto
Enquanto vivos ou mortos
Nós somos
Os vivos que querem viver
Por enquanto
Temos os mortos que não tiveram tanto
Enquanto vivos
E vivos assim
Sentimos vozes
Por ti e por mim
Que a noite e o dia
Não cabem no sermos
De sermos o mesmo
De todos os dias
Enquanto caem palavras
Do cimo de torres
Gemidos do fundo de heróis
Vão calando a noite
Crianças de uniforme grande
Limparam o mundo de risos
Deixando espalhados nos cantos
Bocados de paz
Enquanto todos os dias
Nos vendem
O sofrimento de longe
Tão perto
Vão consumindo o azul
E as cores da terra
Sabendo nós que a paz
Não é só o contrário da guerra
Enquanto vivos
E enquanto formos
Grita a vontade
De deixarmos vivos
Os cheiros e as imagens
Que sentimos
E não só lembranças
Deixadas em arquivo
Enquanto morrem as árvores
O verde
Torna-se terra de corpos
De guerras.
Queremos tambores e guitarras
Voando nas ruas
Com a alegria da vida
Que não devia ter fim
O verde timorense tornou-se terra de corpos e de guerras durante muito tempo. Mas aqueles que ficaram vivos querem, hoje, tambores e guitarras voando nas ruas. Querem a alegria da vida que não devia ter fim. E não é isto que todos queremos?
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