domingo, 16 de novembro de 2014

Subida ao Ramelau

2963 metros. Esta é a altitude do Monte Ramelau, a ex-mais alta montanha do Portugal Colonial, sendo apenas vencida pelo Pico da Neblina, no Brasil, por escassos 30 metros. Tatamailau, em Mambai (o dialeto local) significa "avô de todos".
O David já há muito tempo tinha decidido que queria subir, e eu tinha decidido que subia com ele.

Saímos de Díli Sábado de manhã, rumo a sul, com mais quatro amigos. O Ramelau é no distrito de Ainaro, e para lá chegar é preciso atravessar também Aileu. Cinco horas de viagem.
Ainda não tinha passado uma hora, ficámos parados na estrada, por conta de uma prova de bicicletas que ia a passar. Uma hora a mais, portanto.


Seguimos viagem. Tínhamos levado frango para o almoço e também tínhamos pão mas, como o amigo Paulo recordou, "em Timor almoço só é almoço se houver arroz!" Em Aileu parámos para comprar arroz. Aqui fica a refeição mais comum de Timor, penso eu.


Ao fim das tais seis horas chegámos ao sopé do Ramelau, em Hatu Builico. Ficámos numa pousada simpática e acolhedora, onde nos foram servidas também refeições. (Uma nota importante é que em Timor, nas pousadas ou em qualquer outra coisa, é importante estabelecer o preço antecipadamente, especialmente se forem malae, como nós. Como os nossos amigos são timorenses, não há grande problema, mas é um conselho importante para quem viaja sozinho.)


Chegámos por volta das 17h00. Em Hatu Builico fizemos uma pequena visita de reconhecimento, vimos a antiga pousada portuguesa, e voltámos para a nossa pousada para descansar. É que a subida para o Ramelau começa às 03h00 da manhã, para que se possa ver o nascer do sol, às 06h30. As temperaturas no topo, a esta hora, podem chegar aos 4ºC. (Devo lembrar-vos neste momento que estão quase sempre mais de 30ºC em Díli, onde moramos.)
Depois de um breve sono, começaram os preparativos: luzes, casacos, luvas, acção.


Começámos a subir. E a subir. E a subir... Eu quis desistir no início. E pouco depois do início. E a meio. E quase logo a seguir a querer desistir ao meio. E quase a chegar. E mesmo, mesmo quase a chegar. Mas ninguém me deixou! "Viemos juntos, chegamos juntos.", diziam eles.
Cerca de 5% do caminho são degraus. Contei-os: 712. (O "Bom Jesus" em Braga tem 581.) O nosso guia, um local, ia dizendo para nossa vergonha, que sobe aquilo em uma hora e mais de uma vez por dia, se for preciso. Parecíamos tão cansados e mal dispostos que ele perguntou mesmo se tínhamos estado a beber!
Pelo caminho, eu e o David tivemos de parar algumas vezes porque estávamos com crises intestinais. Na realidade, esse tem sido o nosso maior problema aqui. Não houve ainda maneira de nos habituarmos à comida ou à água ou a alguma outra coisa que ainda não conseguimos identificar. Então, com tantos atrasos, não vimos o nascer do sol no topo, mas esta foi a vista da nossa casa de banho.


(Esta fotografia não foi editada. Foi tal e qual assim.)
Chegámos! Quase 4 horas a andar, mas chegámos.
Não corra eu o risco de um dia destes querer repetir a brincadeira, é importante deixar registado que nunca me senti tão cansada na vida e que isto é capaz de ter sido a coisa mais exigente fisicamente que já fiz.

E esta é a vista, acima das nuvens.



Esta é a estátua da "Rainha de Timor", oferecida pela GNR portuguesa, e que aqui foi colocada em 2008.


À descida (que demorou duas horas e meia), já de dia e tomando consciência do caminho, íamos perguntado "mas foi por aqui que nós subimos?", incrédulos.

Aqui, ainda a descermos, está o David cansado mas feliz por ter alcançado o objectivo!


E, para finalizar, aqui estamos os 6 no topo!



Sugestões: se não tiveres uma grande preparação física, faz as contas para quatro horas e vai com calma. Não comas muito nem antes nem durante a subida, nem bebas água, molha apenas a boca. No topo, come, hidrate-te e descansa. Leva agasalhos, porque vais precisar de utiliza-los, especialmente quando parares. Não te esqueças da lanterna! E lembra-te, se eu consegui, 9 em cada 10 pessoas conseguem.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

A complexidade do desenvolvimento de Timor-Leste


Na semana passada tivemos a oportunidade de assistir a algumas palestras e discussões sobre 'Pobreza e Desenvolvimento Económico em Timor-Leste' com a participação de pessoal de diferentes contextos: técnicos do Ministério das Finanças, professores universitários australianos que fazem pesquisa nestas matérias, pessoal de ONGs e do Banco Mundial. Tudo gente que tem analisado este assunto e que tem contributos a dar para a discussão. Alguns deles têm mesmo intervenção directa nas medidas que vão sendo tomadas na governação desta nação ainda adolescente.

Foi uma oportunidade para adquirirmos uma noção mais profunda dos desafios que Timor-Leste enfrenta actualmente. Ao mesmo tempo serviu para percebermos que esses desafios são extremamente complexos. É fácil identificar as necessidades de um país onde a quantidade e a qualidade das infra-estruturas e o nível de vida das pessoas são ainda muito precários. Mas é muito difícil identificar caminhos seguros, estratégias e prioridades para responder a essas necessidades. 

Pelos vistos, para abordar um problema económico há sempre perspectivas distintas e, por vezes, contraditórias. Temo que frequentemente essas perspectivas resultem mais de uma ideologia pré-concebida do que daquilo que a realidade nos conta. Depois, essas perspectivas chocam umas com as outras tornando turva a própria realidade. Por exemplo, o investimento sério no sector agrícola de Timor-Leste tem sido adiado pelo governo, dando-se prioridade a outros sectores. Alguns intervenientes nas palestras tentaram confrontar os técnicos do Ministério das Finanças com a possibilidade de financiar o aumento das produções agrícolas argumentando que a sociedade iria recolher benefícios desse investimento: as famílias que vivem no meio rural iriam estar melhor nutridas, com mais capacidade de trabalho e iriam aumentar os seus rendimentos podendo, eventualmente, investir em instrumentos agrícolas para dar continuidade ao aumento de produção. Apresentaram-se números e estimativas. Mas do lado do Ministério contra-argumentou-se: este não seria um investimento seguro porque a tendência cultural é que as pessoas gastem uma enorme fatia dos seus rendimentos em cerimónias tradicionais (casamentos, funerais e outros rituais), pelo que um investimento destes corria o risco de favorecer essa tendência cultural em vez de contribuir para o desenvolvimento do país. Ficamos sem perceber se este contra-argumento é uma desculpa inválida ou se corresponde a uma análise credível da sociedade timorense. Cá está a realidade a tornar-se turva...

O que é certo é que 12 anos após a independência oficial, Timor-Leste continua a enfrentar grandes desafios para fazer chegar a todos a nutrição adequada, a saúde, o saneamento e a educação de qualidade. Nestes sectores, tal como no que diz respeito a outras infra-estruturas (nomeadamente a construção de estradas), penso que terá de ser o estado a investir. Mas também é certo que, simultaneamente, Timor-Leste precisa de atrair investimentos do sector privado para garantir empregos para os milhares de jovens que vão sendo formados nas mais diversas áreas. A agricultura, o turismo e eventuais indústrias podem no futuro ser o motor deste país. E oxalá tudo seja feito de forma sustentável para que os recursos e a beleza natural sejam preservados.

Como desenvolver Timor-Leste? É muito complexo. Eu pensava que a Matemática Pura era o campo onde tinha encontrado os problemas mais complexos, mas estava enganado. No caso do desenvolvimento de Timor-Leste o problema não é só mais complexo, é também mais profundo porque afeta vidas. Os teoremas não se traduzem (pelo menos de forma tão imediata) em efeitos nas vidas das pessoas. Mas espera-se que a estratégia de desenvolvimento tenha efeitos e que esses sejam positivos e alcancem toda a sociedade.

Quando falamos em desenvolvimento, falamos, portanto, de vidas, de pessoas. Não são números e estatísticas. Oramos para que os responsáveis pelo destino deste país tenham essa consciência e que exerçam a sua função com espírito de missão e sentindo a responsabilidade pelas vidas que são afectadas pelas suas decisões. O poder seduz e por todo o mundo há líderes que se deixam corromper por essa sedução. Ainda é tempo útil para que não seja assim em Timor-Leste.


sábado, 1 de novembro de 2014

Voltámos a Atelari

Ate significa árvore e lari significa montanha, no dialecto macassae. O nome diz tudo: Atelari é uma aldeia no meio das montanhas onde há muitas árvores.
Este fim-de-semana é dia de visitar as famílias e os cemitérios. Em Timor é feriado no dia 1 e no dia 2. A época é tão importante, que segunda-feira há tolerância e toda a gente vai para os distritos. Fomos, então, convidados a voltar à aldeia para mais uma celebração.

Creio que não estou a exagerar se disser que Atelari é um dos locais mais remotos do Planeta. Devem haver muitos, é certo. Mas havendo uma lista, Atelari constaria.
Pelo caminho, antes de nos fazermos ao interior, passámos por várias praias bonitas e convidativas. Perto de uma dessas praias estava um senhor a vender peixe. Parámos para comprar. Como já não havia espaço no carro e... bom, o peixe cheira mal, arranjou-se uma solução rápida e eficaz!


Mais uns quilómetros, mais umas compras. Aqui podem comprar-se frutas, legumes e tubérculos.


E quanto tempo é até Atelari? Cinco divertidas horas. Chegámos já noite.


Em Atelari há muitos sítios onde o carro não vai e as pessoas vivem muito dispersas. Como íamos jantar a casa de outro familiar dos nossos amigos, fizemo-nos à estrada, com a lua por companheira, e umas pequenas lanternas por amigas.
Pelo caminho ía ouvindo estalidos e barulhinhos porque, como diz o amigo Nata, "estávamos no mato!". Havia duas opções. Ou ficava com medo e apontava a lanterna para todo o lado para tentar perceber o que tinha sido o barulho, ou ignorava e definia que só seria potencialmente um problema se visse alguma coisa ou se alguma coisa me tocasse. Potencialmente! Porque bichos, no mato, é normal, certo? Vinte minutos depois, chegámos.


Esta é uma casa tradicional de Timor e provavelmente uma das imagens mais conhecidas do país. As casas são construídas "no ar" para evitar animais como ratos e cobras.
Aqui jantámos e passámos parte de um serão agradável. Quando o cansaço foi mais forte, fizemos o caminho de regresso, e dormimos. De manhã, a visão das montanhas é muito diferente.


Voltámos ao sítio onde jantámos no dia anterior para almoçar. Desta vez, nada de barulhinhos pelo caminho.


E assim foi o almoço. Apresento-vos o tukir! São utilizadas canas de bambu verde para fazer arroz e carne, por exemplo. Os alimentos são colocados lá dentro sem água, apenas com um pouco de sal. Como o bambu está verde, não arde e liberta água, que vai cozinhar e temperar a comida. O sabor, é claro, é muito diferente da panela. Muito saboroso!



A seguir ao almoço o calor aperta, e há quem se aventure em águas doces. Com roupa e tudo, que seca rápido a seguir!


Depois de um breve descanso, voltámos para Díli.
E que mais lugares terá Timor para nos mostrar?