domingo, 17 de abril de 2016

Uma viagem ao leste de Timor-Leste

Esta viagem era há muito aguardada e planeada com grande expectativa. O município de Lautém, a sua capital Lospalos e, especialmente, o ilhéu de Jaco são destinos famosos entre os malae e que estavam no topo das nossas prioridades turísticas desde a nossa vinda para Timor.

A Débora, em especial, desenvolveu um certo fascínio pelo povo deste município, que parece ter algumas peculiaridades culturais que não se encontram no resto do país, e pelo fataluko, o dialeto que ali se fala.

O ilhéu de Jaco é um paraíso rodeado por águas cristalinas. Tem uma boa extensão de praia paradísiaca com areia branca e um mar onde podemos nadar em conjunto com centenas de peixinhos de todas as cores. Talvez seja um dos locais mais bonitos do mundo!
E qual é a diferença entre esta praia paradisíaca e as imagens dos folhetos das agencias de viagens? Toda! Exactamente porque esta não aparece nos folhetos.

Na sexta-feira santa lá fomos. Um grupo de 6 aventureiros, num jipe alugado, devidamente apetrechados com comes-e-bebes e com o sr. Ameu a conduzir, um motorista já com experiência no percurso Dili-Jaco.

Às 7h30 já estávamos na estrada preparados para a longa viagem. São pelo menos 6 horas de caminho desde Díli até à Praia de Valu, em frente ao ilhéu de Jaco, sendo que os últimos 7 ou 8 kms são particularmente penosos porque a estrada está em péssimas condições, e os últimos 3 km são umas inacreditáveis escadas impossíveis de ultrapassar com um tipo de transporte mais ligeiro.

Mas aqui a viagem faz também parte da aventura, da aprendizagem, da exploração. Fomos lentamente percorrendo as vilas e aldeias de Díli até Com sendo necessário abrandar muitas vezes para dar prioridade aos fieis católicos que, um pouco por todo o lado, organizaram pequenas procissões em jeito de  reconstituição da via sacra percorrida por Jesus, o Cristo, há 2000 anos.

Já depois de acabar com o farnel ali para os lados de Laga, chegámos a Com pelas 15h00. Segundo o plano inicial, iríamos fazer ali uma paragem para mergulhar na famosa praia da vila. No entanto, o relógio já ia avançado e a chuva também espreitava. O mergulho em Com ficará para outra altura (também por ali há umas guesthouses promissoras e uma tranquilidade agradável que convidam a uma nova visita). Continuámos então a caminho da ponta mais a leste de Timor-Leste (passe o pleonasmo). Talvez calhe bem explicar que, apesar de ser um pequeno país, Timor-Leste também se divide na parte leste e oeste, ou, como se diz em Tetum, lorosae (nascer do sol) e loromono (pôr-do-sol). Inclusivamente houve, no passado, e oramos para que tenha sido só no passado, quezílias e rivalidade profunda entre as pessoas de lorosae e as pessoas de loromono.

Bom, lá saímos de Com em direção a Tutuala através de uma estrada secundária mas mais direta. Chegámos a Tutuala pelas 16 horas. Tutuala é uma pequena vila e um dos locais mais recônditos da ilha de Timor (se bem que há locais mais perto de Díli cujo acesso é bem mais difícil).


Fomos até à Pousada de Tutuala, uma de várias pousadas que sobreviveram desde o tempo colonial e que vão lentamente sendo recuperadas para fins turísticos. A Pousada tem localização privilegiada no topo do promontório no qual termina abruptamente a estrada que chega à vila. A partir dali não há estrada. Há só mar: a norte o mar de Banda, a sul o mar de Timor.


Parámos para fotografias, mas foi uma paragem curta: ainda faltavam os tais 7 ou 8 km de descida até à praia de Valu e queríamos fazê-los ainda com boa luz solar.


Junto há praia de Valu há dois locais para pernoitar. Ficámos alojados na Lakumorre Guesthouse. Banho de gayon. Boa comida. Colchão no chão mas com rede mosquiteira. Condição razoável para a realidade de Timor.

Naquela tarde, já perto das 18 horas, ainda deu para um mergulho na praia de Valu, também ela uma bonita praia. Depois houve tempo para jogo de cartas e para o Sequence.


No dia seguinte foi o dia de visitar Jaco! Acordámos cedo, tomámos o mata-bicho e fomos até à zona dos pescadores para embarcar para Jaco num dos seus barquinhos.


O dia passado em Jaco foi, claro, a melhor praia que alguma vez fizemos. Fazer praia ali é maravilhoso. O snorkeling foi fantástico, mesmo tendo de improvisar, nadar só com um braço e segurar os óculos com a outra mão, porque o equipamento partiu-se de forma estranha. Pena é não termos levado uma daquelas máquinas descartáveis que permitem fotografar debaixo de água como levámos às Berlengas.


Bom, mas mais do que palavras sobre Jaco, deixamo-vos as imagens.






Jaco pode ser visitado nesta modalidade em que nós fomos (com boleia dos pescadores) mas para os timorenses é uma ilha sagrada, por isso não se pode lá dormir, nem se pode construir nada.



Às 16 horas os pescadores foram buscar-nos para regressarmos à praia de Valu. No resto do dia ficámos na nossa guesthouse a passar o tempo com jogos, guitarra e converseta.

No dia seguinte levantámo-nos cedo com o objetivo de ir visitar ili-kere-kere, um local de grutas e abrigos criados pelas escarpas daquela espécie de promontório de Tutuala. Este local é duplamente importante: foi descoberta ali arte rupestre datada de 3000 a 2000 anos e foi também lugar de refúgio para os guerrilheiros da resistência timorense durante a ocupação indonésia.






Disseram-nos que as grutas de ili-kere-kere ficavam ‘logo ali, muito perto’. Mas quando um timorense diz que alguma coisa fica perto ou demora pouco, temos de multiplicar essa informação por dois ou por três para obter uma estimativa realista. Então andámos e andámos no meio da selva timorense até chegarmos a ili-kere-kere já a suar em bica. Valeu a pena! Não só pelas imagens rupestres gravadas nas rochas, mas também pela espetacular paisagem marítima que ali podemos vislumbrar. Aquelas escarpas são também habitat de milhares e milhares de abelhas, por isso fomos avisados para falar muito baixinho e não causar qualquer alvoroço que pudesse revoltar as abelhas. Assim fizemos, claro! Uma coisa é ter coragem para nadar nas águas de Jaco mesmo que de vez em quando já tenham sido ali avistados crocodilos. Outra coisa é metermo-nos com abelhas. Somos malucos, mas não tanto!


De ili-kere-kere partimos para a vila de Lospalos. Pelo caminho parámos para fotografar as casas sagradas típicas de Lospalos. Têm um significado muito forte para a religião tradicional animista dos locais e são construídas duas a duas, sendo uma considerada masculina (mane) e outra feminina (feto), e não sendo utilizados quaisquer pregos na sua construção. É uma espécie de puzzle complexo cujo segredo não está acessível a todos.

Lospalos é a capital do município de Lautém e o único meio urbano naquela ponta do território. Parámos na casa do professor Cancio, um dos aventureiros. Mostraram hospitalidade servindo-nos bebidas frescas e um petisco de carne muito saboroso.

Ainda demos uma volta de carro por Lospalos para sentir o pulso à cidade. Uma cidade tranquila, longe do bulício e da desorganização que por vezes impera em Díli. E entretanto faziam-se horas de começar a longa viagem de regresso a Díli. Mais 6 horas de caminho, com uma paragem em Laga para comer um peixinho grelhado no restaurante de beira da estrada gerido pelo professor Laurentino que, ficámos a saber, é também um empreendedor.