terça-feira, 1 de setembro de 2015

Paz na Terra

"Tem lugar então o período mais crítico da minha vida em Timor-Leste. Detido pelos boinas vermelhas – uma força de segurança indonésia - sou levado para a sede da SATGAS INTEL. Junto-me a cerca de três dezenas de outros presos e, durante mês e meio, somos sujeitos a duros inquéritos acompanhados de tortura. Tortura essa que varia entre agressões a pontapé, choques eléctricos durante 30 a 60 minutos mas que pareciam durar uma eternidade e os rostos queimados com pontas de cigarro, ora na face, ora na nuca." 

Assim testemunha o sr. M que é meu colega por estes dias. 

Sinto-me profundamente impressionado e comovido. As lágrimas assomam. Porque este senhor sofreu algo que nenhum ser humano devia sofrer. Mesmo assim, o sr. M, já grisalho mas com um ar de ingenuidade quase infantil, sorri sempre. Um sorriso franco e leve. Conheceu os efeitos mais perversos da crueldade humana. Mas o sorriso que hoje exibe irradia esperança. A esperança de que a crueldade, por muito densa e enraizada que seja, será sempre reversível.

Lembro-me então da canção natalícia que, a propósito do cântico dos anjos a anunciar Paz na Terra, atira um pensamento perturbador: 


"Não há Paz na Terra, 
porque o ódio é forte 
e faz troça do cântico." 

Mas... os sinos tocam (que é como quem diz: 'o sr. M sorri') e volta a ecoar a promessa:

"Deus não está morto, nem está a dormir,
O mal há-de falhar
O bem há-de prevalecer,
Com Paz na Terra, boa-vontade para com os homens."

Em Timor-Leste há pessoas que, sem consciência disso, fazem teologia com sorrisos.