terça-feira, 1 de setembro de 2015

Paz na Terra

"Tem lugar então o período mais crítico da minha vida em Timor-Leste. Detido pelos boinas vermelhas – uma força de segurança indonésia - sou levado para a sede da SATGAS INTEL. Junto-me a cerca de três dezenas de outros presos e, durante mês e meio, somos sujeitos a duros inquéritos acompanhados de tortura. Tortura essa que varia entre agressões a pontapé, choques eléctricos durante 30 a 60 minutos mas que pareciam durar uma eternidade e os rostos queimados com pontas de cigarro, ora na face, ora na nuca." 

Assim testemunha o sr. M que é meu colega por estes dias. 

Sinto-me profundamente impressionado e comovido. As lágrimas assomam. Porque este senhor sofreu algo que nenhum ser humano devia sofrer. Mesmo assim, o sr. M, já grisalho mas com um ar de ingenuidade quase infantil, sorri sempre. Um sorriso franco e leve. Conheceu os efeitos mais perversos da crueldade humana. Mas o sorriso que hoje exibe irradia esperança. A esperança de que a crueldade, por muito densa e enraizada que seja, será sempre reversível.

Lembro-me então da canção natalícia que, a propósito do cântico dos anjos a anunciar Paz na Terra, atira um pensamento perturbador: 


"Não há Paz na Terra, 
porque o ódio é forte 
e faz troça do cântico." 

Mas... os sinos tocam (que é como quem diz: 'o sr. M sorri') e volta a ecoar a promessa:

"Deus não está morto, nem está a dormir,
O mal há-de falhar
O bem há-de prevalecer,
Com Paz na Terra, boa-vontade para com os homens."

Em Timor-Leste há pessoas que, sem consciência disso, fazem teologia com sorrisos.



quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Escala em Bali

Depois de visitarmos a Malásia, um país maioritariamente muçulmano, seguiu-se a ilha de Bali que é maioritariamente hindu. Consta que a partir do século XV DC o islamismo começou a ganhar adeptos por toda a região que hoje constitui a Indonésia, mas Bali permaneceu sempre uma excepção. O hinduismo estava bem enraizado e hoje cerca de 90% dos habitantes da ilha considera-se hindu. Em cada esquina (mesmo em cada esquina!) há um templo ou um altar hindu e a cultura local está impregnada de elementos religiosos.

Bali é uma ilha completamente dedicada ao turismo. A praia e o clima convidam a um turismo de chinelo no dedo, toalha ao ombro e muita descontração. Mas não se pense que os dias em Bali são obrigatoriamente passados no areal! Os nativos souberam aproveitar muito bem todas as potencialidades da ilha para captar turistas: há safaris para ver tigres, tours para ver golfinhos, passeios para ver macacos, filas de espera para ver danças tradicionais, etc. Por um lado, a oferta e a procura são tão intensas que chega a parecer exagerado. Por vezes parece tornar-se uma ilha já descaracterizada, uma ilha que vendeu a alma ao turismo de multidões. No entanto, temos de considerar que a população local está apenas em busca da sua subsistência e fá-lo, regra geral, com inteligência e simpatia.

Num certo sentido, o turismo excessivo, ao invés de ser aquilo que nos impede de aceder à cultura crua de Bali, constitui já a própria cultura de Bali. Talvez possamos dizer que Bali representa muito do que Timor-Leste poderá vir a ser no futuro em termos de turismo. Poderá nunca atingir as estatísticas de Bali (e talvez isso nem seja desejável), mas aprender a usar aspetos da cultura local para cativar turistas e gerar receitas. Assim seja!

Serve todo este preâmbulo para explicar que, apesar de inicialmente termos estranhado Bali, num balanço final acabámos por gostar. Compreendemos porque é que tantas pessoas têm um gostinho especial pela ilha. Em Bali é relativamente barato requisitar um carro com condutor para visitar os pontos de interesse. Então lá fomos nós à descoberta de Bali, enfrentando o seu trânsito intenso e confuso, conduzidos pelo sr. Imade.


Aqui fica a reportagem fotográfica destes dias:

O nosso hotel com arquitetura tradicional e os inevitáveis elementos hindús

Orquestra que acompanha a dança tradicional Barong: uma dança em que é recriada uma história da mitologia balinesa.



Os servos da floresta tiram a própria vida perante a observação do Barong, o monstro com aspeto de leão que dá nome à dança.

Visita a um templo hindú. Tivemos de nos ensaiar (ato de vestir uma saia). 

A Débora tentou arrancar umas melodias do xilofone balinês.

O Monte Batur (vulcão ainda ativo) e o lago Batur, vistos da varanda do restaurante em Kintamani onde o sr. Imade nos levou a almoçar.

Café de Bali

Cacau que dá chocolate branco.

Ora bem, consta que este café é o mais caro do mundo porque o processo pelo qual passa lhe confere um sabor de extrema distinção. O processo é bizarro: há um animalzinho chamado luwak (google it) que come os grãos de café, arranca e digere a casca e defeca os grãos fermentados pelas enzimas que o seu aparelho digestivo produz. São esses grãos já defecados que podem ver na imagem... 

Prova de chás e café.

Os terraços de arroz: plantação de arroz em socalcos 

Família de macacos.

Macaco muito mal comportado. 

Macaco em pose. 

Pôr do Sol em Uluwatu. Neste cenário assistimos a mais uma dança tradicional, o Ketac. 

O Ketac é também conhecido por txaka-txaka devido ao som ritmado que os dançarinos fazem repetidamente ao longo de toda a dança.





O Ketac acaba com uma tentativa mal sucedida de lançar o monstro na fogueira.

Jantar romântico em Jimbaran. Especialidade: peixe grelhado (com tempero picante, claro!)

Que biulência, man!!

Para primeira vez não está mal, hein? Aquele miúdo nativo, nascido em cima de uma prancha de surf, é que deu as dicas.



E assim, com mais um belo pôr de sol e um cocktail refrescante, colocámos um ponto final numas férias fantásticas!




quinta-feira, 30 de julho de 2015

Escala em Kuala Lumpur

Depois de três semanas intensas e muito boas em Portugal, sempre a rever amigos, passadas entre Caldas da Rainha, Lisboa, Vila Franca de Xira e Portalegre, reservámos a quarta semana de férias para turismo na Ásia. Aproveitando a viagem longa de Lisboa a Díli, optámos pela rota Lisboa -> Istanbul -> Kuala Lumpur –> Bali -> Díli para fazer paragens mais prolongadas em Kuala Lumpur e em Bali.

Já tinha estado dois dias em Kuala Lumpur em trabalho, em Maio. Na altura não houve oportunidade para visitar os locais turísticos e históricos da cidade e ela não me despertou muito interesse. No entanto, essa primeira impressão foi enganadora. Kuala Lumpur tem os seus encantos! É uma metrópole recente (só no século XIX se desenvolveu para se tornar uma grande cidade) e relativamente pequena (2.2 milhões de habitantes) quando comparada com as mega-cidades asiáticas da China, Coreia, Índia ou Japão.

Kuala Lumpur reflete muito bem a diversidade étnica de que é formada a Malásia: o islamismo predomina e encontrámos muitas semelhanças culturais com a Indonésia (estando a Malásia mais desenvolvida e organizada); há também comunidades consideráveis de ascendência indiana e chinesa e, pelo menos a nível turístico, recebe muitos visitantes caucasianos e do médio oriente.

Do quarto do nosso hotel tínhamos vista privilegiada para as Petronas Twin Towers que já foram em tempos o maior edifício do mundo.



Hoje ostentam orgulhosamente o título de maiores twin towers do mundo... Se há coisa de que os Malaios parecem gostar particularmente é que tudo tem de estar no topo mundial de alguma maneira...

No nosso primeiro dia completo em Kuala Lumpur começámos por ver as torres mais de perto e conhecer um dos muitos Centros Comerciais da cidade, o Suria KLCC. Dizem que Kuala Lumpur é um paraíso para fazer compras. Não foi esse o objetivo da nossa visita e não podemos atestar a justiça dessa fama, mas há um aspeto que podemos realçar: o Suria KLCC tem uma bookstore, a Kinokuniya, de fazer inveja à fnac quer no que respeita aos preços (a maior parte dos produtos tem iva de 6%, mas os livros não têm iva), quer no que respeita à panóplia de livros disponíveis. (Na secção dedicada ao cristianismo encontrámos NT Wrigth, Philip Yancey, Shane Claiborne... isto num país em que 60% da população é  islâmica. Surpreendente!)

Mais tarde fomos num tour com mais 3 turistas e com o guia/condutor, o Chris, malaio de origem indiana que nos explicou, entre muitas outras coisas, que Kuala Lumpur recebe o seu nome da junção de dois rios lamacentos, o rio Kelang e o  Gombak: kuala significa estuário e lumpur significa lama. O primeiro spot ao qual o Chris nos levou foi ao Palácio Real.

Aqui o Chris mostrou-nos umas plantas estranhíssimas, as mimosas ou shy lady... Encolhem-se (literalmente) quando tocadas.

Depois, passando de carro pelo interior da Little Índia, dirigimo-nos às Batu Caves, local de templos hindus localizados em grutas num rochedo, acessíveis através de uma escadaria de 270 degraus.



Dizem tratar-se da maior estátua de Murungan do mundo (lá estão eles outra vez). Junto ao templo há também as Dark Caves, onde se pode fazer uma visita mais geológica e biológica às grutas, e que nos foram recomendadas mas que não pudemos visitar porque fecham à segunda-feira (a regra das segundas-feiras também vigora deste lado do mundo!).

Em seguida, fomos à fábrica de texteis Batik. São tecidos de seda pura pintados à mão, ou de algodão pintados com carimbos e cera de abelha, com várias técnicas que nos foram explicadas, mas que não consigo reproduzir. De qualquer forma, a seda e a arte tornaram os Batik pouco acessíveis às nossas carteiras.



Para terminar, fomos à Royal Selangor Visitor Centre: aqui mostram como são feitas peças usando pewter, uma liga de cobre, estanho e antimónio. A Malásia é rica em minérios! Mesmo tendo já capacidade para concorrer com outros países asiáticos no que respeita à eletrónica, a exploração mineira continua a ser um dos motores da economia, ao lado do precioso óleo de palma.
Aqui também pudemos tirar uma fotografia com a maior caneca de pewter do mundo!



Ficámos a saber que os óscares são feitos de pewter, cobertos depois com ouro.

Assim se passou o primeiro dia!

No dia seguinte apanhámos o metro para a Merdeka Square, aka Praça da Independência. É a zona histórica da cidade onde estão localizados muitos dos principais edifícios históricos.




 A seguir queríamos entrar na zona verde da cidade e o mapa mostrava um percurso que implicava atravessar a pé uma auto-estrada! Mas calma, mãe! Encontrámos alternativa e lá entrámos nesse belo parque de Kuala Lumpur. O objetivo número 1 era cumprir o sonho de criança da Débora: ir ao Parque das Borboletas. Depois de muito andar e suar (ao fim de um bocado o suor a escorrer já podia cantar aquela velhinha dos Delfins ‘sou como um rio...’) chegámos ao destino. A Débora cumpriu o seu sonho (e ainda pôde testar o novo adaptador ‘macro’ que adquiriu para a sua Nikon).




O Parque dos Pássaros é mais famoso que o das borboletas (adivinhem: é o maior do mundo!) mas, pesando o tempo disponível e o interesse que ele nos despertava comparando com outros spots, optámos por não o visitar. Apenas almoçámos lá ao pé no Hornbill Restaurant que vinha assinalado no mapa como um spot obrigatório e que, contrariamente ao nosso palpite inicial, não é caro! Foi um oásis de ar condicionado no meio do parque que escaldava sob o sol tropical e a limonada típica da Malásia, feita de limas muito pequeninas, refrescou até ao osso!

Seguiu-se o Jardim das Orquídeas e dos Hibiscos. Deixo, mais uma vez, as fotografias falarem por mim.



A sul do Parque mora o Museu de Arte Islâmica da Malásia: merece a paragem! Talvez tenha sido o local que mais gostámos de visitar em Kuala Lumpur. Contém maquetes das mais majestosas ou extravagantes mesquitas existentes no Médio Oriente, no Extremo Oriente, na Europa e em África (edifícios lindíssimos), cópias transcritas do Alcorão com exemplos dos vários estilos de caligrafia usados, exemplares de vestuário, jóias, louças, armas dos povos árabes, etc. A arquitetura do próprio museu é singular e bela aos olhos destes dois ocidentais que se deixam encantar pelas abóbadas árabes, os seus ornamentos e cores. (Fiquei particularmente fascinado por uma Mesquita do Usbequistão e porreiro era ir lá ver o edifício ao vivo, mas voar para aqueles lados é dispendioso, caneco!)




Enquanto olhava para tudo isto, ao mesmo tempo que via passar mulheres vestidas dos pés à cabeça com a niqab, a Débora perguntava-se como é que uma cultura colorida e tão ornamentada desaguou em vestes pretas e austeras. De certa forma, talvez seja um alerta para usarmos o mesmo tipo de olhar para analisar a nossa história e cultura.


Não entrámos na Mesquita Nacional, situada junto ao Museu, porque havia fila para vestir a obrigatória túnica roxa (mais parecia o traje de um monge católico da idade das trevas!) e não nos apeteceu esperar. Seguimos caminho: para a Chinatown.


Ali tomámos uma bebida fresca numa antiga Casa de Chá chinesa.


A Chinatown foi uma meia desilusão: é engraçado passear por ruas em que os letreiros estão todos em cantonês; parece que estamos num filme. Mas a Jalan Petaling, principal rua comercial da Chinatown, parece a feira de segunda-feira das Caldas da Rainha. Já pouco tem de tradicional e nós não estávamos interessados em artigos contrafeitos.

Desembocámos na Clock Tower Square onde ainda se encontram casas de arquitetura europeia (mostrando a influência holandesa e, claro, a influência inglesa) e, claro, uma torre de relógio.


Estando já longa a jornada, apanhámos o metro de volta para o hotel onde ainda houve tempo para descontrair na piscina antes de fazer as malas para viajar muito cedo na manhã seguinte. Kuala Lumpur é uma cidade interessante e merecia mais um dia ou dois de exploração, mas Bali esperava-nos!

terça-feira, 5 de maio de 2015

Três dias em Ataúro

Texto de David Raimundo
Fotografia de Débora Raimundo




Esta era uma viagem há muito esperada. Dos locais obrigatórios de Timor-Leste talvez só Jaco desperte uma expectativa tão intensa, mas Jaco é muito distante e obriga a toda uma logística complicada... Ficará para outra altura.

O fim de semana grande pareceu-nos uma boa oportunidade para visitar e explorar Ataúro. E assim foi!

Na 6ª feira acordámos às 7 e pouco. Mesmo só tendo barco às 11h e tendo então a possibilidade de dormir um pouco mais, o nosso relógio biológico já está demasiado certinho e acabámos por acordar cedo na mesma. É o que dá ter o despertador a tocar às 6h30m loron-loron. Optámos por tomar o pequeno-almoço na Brasão, a padaria portuguesa com bolos e pães que sabem ligeiramente a casa. Depois fomos às compras ao Leader porque o Touquinho ficaria em terra e precisava de mantimentos para o fim de semana, e fomos também levantar dinheiro para a nossa aventura de fim de semana. Mais tarde apercebemo-nos de que, naquele momento, cometemos um erro: levantámos pouco dinheiro! Ataúro é um destino turístico carote!

Às 10h e picos apanhámos um taxi para a enseada que fica em frente à casa amarela na Avenida de Portugal – é a sede da representação da U.E. em Timor-Leste. Um grande grupo de malae juntou-se ali àquela hora para rumar à ilha que mora uns 25 Km a norte de Díli. Entre eles encontrámos o Tiago e a Inês, dois simpáticos portugueses que foram nossos colegas no curso de Tétum, e embarcámos na mesma lancha que eles. O condutor da lancha era timorense, provavelmente de Ataúro, a julgar pela caixa toráxica a fazer lembrar o Michael Phelps. Conta-se que os pescadores de Ataúro – que usam ainda técnicas rústicas e óculos de mergulho feitos de madeira e vidro – são capazes de aguentar quase 10 minutos em apneia... Infelizmente esta prática tem consequências graves, nomeadamente a nível auditivo. Muitos pescadores perdem a audição com a idade.

Bom, a viagem entre Díli e Beloi foi... acelerada. O kattamaram abriu caminho por um mar que, não estando muito agitado, provocava ainda assim muito atrito agitando e molhando os passageiros. É nestes momentos que eu desejo ser gordo e baixinho, com um centro de gravidade ao nível do chão para não me sentir como um saco de qualquer coisa sacudido para todos os lados (acho que é por isto que nunca gostei de carrinhos de choque)! Mas este desabafo não deve ser entendido como uma queixa. Nós curtimos a viagem! Desfrutámos a aventura!

Foi engraçado vermos a costa de Díli a ficar progressivamente mais distante. A extravagância da geografia de Timor faz com que, vista do mar, a ilha pareça uma sucessão de enormes muralhas verdes. São as montanhas, aparentemente intrasponíveis, e cobertas por uma vegetação abundante neste findar da época de chuvas.




Depois de uma hora e picos de solavancos e molhas, chegámos a Beloi: o mar aqui tem um teor de sal tão elevado que, depois de uma viagem destas, a nossa pele cheira a posta de bacalhau por demolhar!

Em Beloi despedimo-nos do Tiago e da Inês, mas apalavrámos uma possível ida a Akrema na manhã seguinte. Eles ficaram hospedados no Barry’s, um local à beira-mar, com boa fama. Nós tínhamos também ligado para lá mas, por ser fim de semana grande, já estava lotado. Só conseguimos alojamento na Vila – antiga Maumeta – que é uma localidade 6 Km a sul de Beloi. Teríamos então de apanhar transporte para a Vila, mas a fome apertava e optámos por almoçar no Beloi Beach Hotel (outro dos sítios onde tentámos marcar alojamento, mas também estava lotado!). O gerente Neyl foi super simpático. Disse que normalmente não serviam almoços sem marcação (Ataúro acaba por ser um local isolado onde não chega constantemente a reposição de mantimentos, pelo que é necessário ter tudo bem contado) mas ía verificar se tinha comida suficiente para nós. Voltou sorridente dizendo que sim. Nós e os nossos estômagos também sorrimos em resposta. Comemos frango com tempero de tamarindo acompanhado de arroz (aqui até o bacalhau com natas acompanha com arroz) e verduras. Refeição catita. O restaurante do Hotel tem vista privilegiada, decoração à maneira, boa música ambiente e deixa transparecer a tranquilidade e paz que pontua a vida em Ataúro (mais que não seja, pelo contraste com o ruído e a confusão urbana de Díli).



Ataúro pareceu-nos mais arrumado e limpo que qualquer outro local de Timor-Leste onde já tenhamos estado. As pessoas mais cuidadosas com as suas casas e os seus quintais. Ordenamento de território mais planeado. É já um destino de eco-turismo muito interessante.

Depois de almoçarmos, o Neyl chamou transporte para nos levar à Vila: o tuk-tuk ou tiga-rodas. Em 20 minutos chegámos à Vila. 


O condutor era um senhor chamado Felix e era protestante, pelo que nos levou também a ver uma igreja protestante. Estima-se que 80% da população da ilha seja protestante, como resultado da passagem de protestantes holandeses pela ilha e do trabalho posterior dos missionários locais e portugueses, incluindo os meus tios Miguel e Carmina. Este é também um contraste com o resto do país, no qual mais de 90% da população é Católica.

Chegámos ao nosso pouso: Mahukoko Guesthouse. Trata-se de um restaurante rodeado de cabanas ali instalado pelo padre italiano da Vila. Diz-se que é uma pessoa que dinamiza ali uma série de iniciativas para melhorar as condições de vida da população local. Como o padre é italiano, o restaurante serve pizzas e pastas. Já tínhamos ouvido maravilhas da comida deste sítio e encomendámos logo pizza para o jantar.



Depois de nos instalarmos fomos às compras. Primeiro a loja de biojoias: bijuteria feita de forma artesanal com sementes, cascas de côco, conchas e corais. Depois a loja das bonecas. É já um ícone de Ataúro! Nela trabalham 52 pessoas! São bonecas e outros artigos fofinhos da responsabilidade de uma designer suiça que também desenvolveu este projeto para ajudar na sustentabilidade da população local. Os artigos são também vendidos em Díli e até lemos que já chegaram a lojas portugueses. Mas na fábrica o preço é mais simpático. Por isso estávamos a planear adquirir várias lembranças. Só que o alarme contabilístico soou: espera lá, o dinheiro que levantámos não vai chegar para tudo! As nossas estimativas iniciais tinham sido demasiado optimistas. Foi necessário colocar freio no ímpeto comprista.



Quando saímos da loja fizemos contas à vida e percebemos que a viagem a Akrema iria sair do orçamento. Ainda fizemos a tentativa patética de procurar um ATM na Vila. Claro que não há! Só mesmo em Díli! Entretanto o Tiago ligou para combinarmos o dia seguinte e, generosamente, prontificou-se para avançar com o dinheiro da ida a Akrema e depois em Díli pagaríamos a nossa parte. Um bem-haja, Tiago!

A pizza que jantámos era mesmo boa! Feita em forno de pedra, com chouriço e vegetais e com tempero de toque claramente mediterrânico. Um espanto encontrar tal manjar, tipicamente italiano, numa pequena ilha do sudeste asiático.


Adormecemos cedo na nossa cabana, sob um céu estrelado. As estrelas só as vimos bem vistas às 5h da manhã quando acordámos e fizemos uma mini excursão à casa de banho comum. Infelizmente a máquina fotográfica não foi capaz de captar o firmamento pontilhado de luzinhas mil.

Às 6h30m levantamo-nos definitivamente. Tomámos um banho de caneco e serviram-nos o mata-bicho: café (sempre uma delícia) e pão com ovo.

Às 7h40m apareceu o sr. Felix com o seu tuk-tuk para nos levar até Beloi (já no dia anterior tínhamos combinado com ele). Deixou-nos junto ao Barry’s onde nos encontrámos com o Tiago e a Inês. O Nautilus 54 estava à nossa espera para nos levar a Akrema.


Fomos desfilando por entre um sem número de garrafas de plástico que os pescadores usam para sinalizar as culturas de algas. As algas crescem em torno de estacas e este tem sido um negócio importante para a população da região. São procuradas para alimentação e também, possivelmente, para a indústria dos cosméticos e para a indústria farmacêutica.


Depois de cruzarmos o Pacífico rumo a nordeste durante cerca de uma hora, chegámos a Akrema: é uma praia de Areia Branca e águas cristalinas, um lugar virgem, de uma beleza natural deslumbrante, onde pudemos nadar e descansar ouvindo-se apenas o mar. Não deu para o snorkeling porque o mar estava agitado pelo vento e não permitia boa visibilidade. Mas Akrema é um bálsamo para o coração. Na praia só estávamos os cinco: nós e o condutor do barco. Muita tranquilidade e beleza para desfrutar com exclusividade!



Voltámos a Beloi pelas 11h para almoçar no Barry’s com o Tiago e a Inês. A comida estava muito boa e incluiu peixinho grelhado! Depois fizemos negócio e adquirimos uma estatueta para a nossa sala: o pensador, versão ataúrense!

Aos sábados há um barco grande que faz o trajeto Díli – Ataúro – Díli. É o Nakroma! Leva muita gente, muita carga, muito mais tempo também. É bom para quem queira fazer uma visita curta a Ataúro. Também ao sábado, aproveitando a ida e vinda do Nakroma, há em Beloi um grande mercado de tudo um pouco. Passeámos por ali, no meio do cheiro forte do peixe seco e do polvo seco que se vendem com fartura. Ainda não ganhámos coragem para provar...


Depois despedimo-nos do Tiago e da Inês e fomos apanhar o tuk-tuk para regressarmos à Vila. Chegando lá fomos tomar um banho de caneco para tirar o sal e depois fomos descansar um bocadinho.

Ao entardecer, um passeio pela vila. Com tempo para conversar com um senhor e uma senhora que moram em Maquili, aldeia só acessível a pé, subindo e descendo as colinas da ilha acidentada. Os senhores falavam um pouco de português porque fizeram a 4ª classe ainda no tempo colonial. O senhor disse-nos, de forma muito engraçada, que teve de aprender os rios portugueses e a história dos descobrimentos e que agora não interessava para nada. E mostrou-nos uma moeda de 100 escudos que diz ter guardado e agora ninguém a troca por dinheiro a sério. Dissemos-lhe para guardar a moeda como recordação dos tempos antigos. Eram um casal muito castiço. Continuaram a sua íngreme caminhada até casa. A vida nestas paragens pode ser dura!


Também na Vila ainda se encontram sinais físicos da colonização portuguesa!


 Quando regressámos do passeio sentámo-nos a ler um bocadinho. Neste fim de semana a companhia literária foi o Tolentino Mendonça e o Henri Nouwen. A escrita profunda e bela destes dois autores trouxe também maior profundidade e beleza aos nossos dias em Ataúro.


Jantámos o Gnochi. Não correu tão bem como a pizza, apesar de ser igualmente delicioso. Para a Débora foi uma noite agitada do ponto de vista gastrointestinal. Coisas que acontecem em qualquer lado, mas com maior incidência em clima tropical...

A manhã de domingo trouxe um novo banho de caneco. Serviu para despertar e afastar um pouco o enjoo, o sono da noite mal dormida e também o receio de um mau resultado do Benfica que jogara com o Gil Vicente durante a madrugada. (O título está próximo, mas o FCP também...)

Depois do mata-bicho apanhámos o tuk-tuk e às 9h fomos ao culto na Assembleia de Deus de Beloi. Participar neste culto foi emocionante porque as pessoas aqui ainda recordam com muito carinho o pastor Miguel, meu tio. A igreja estava cheia. O pastor falou, em Tétum, acerca da necessidade de procurarmos a paz. Não só uns com os outros, mas também a paz de Deus mesmo nas situações de adversidade. Depois recordámos a morte e ressurreição de Cristo através da celebração da ceia! Que magnífico!


Quando o culto terminou saímos muito rapidamente porque a Débora estava ainda fraca e desidratada. Fomos para o Barry’s que tem um espaço comum espectacular. Ali ficámos durante muitas horas: a Débora descansou, eu alinhavei este e outro texto, almoçámos com o Tiago e a Inês e jogámos uma partida de scrabble.

Com mais força e energia poderíamos ter ido nadar e tentar vislumbrar, mesmo sem equipamento, a fauna marítima que se diz existir naquela zona da costa. Mas estávamos cansados e, assim, o Barry’s provou ser um excelente spot para descanso.

O regresso a Díli fez-se pelas 17h na mesma lancha que nos tinha levado a Ataúro. Foi uma viagem marcada por um sublime enquadramento natural: para norte ficava a ilha de Atáuro com uma bonita luz a iluminá-la; a oeste diferentes tonalidades celestes pintadas pelo sol que se deitava envergonhado atrás de algumas nuvens; a este uma lua grande e brilhante; a sul as luzes noturnas de Díli.


Assim se fechou o pano de um fim de semana fantástico!