segunda-feira, 2 de novembro de 2015

2 de Novembro, Cemitério de Santa Cruz

Um dos Feriados mais importantes em Timor (se não o mais importante) é o Loron Matebian (ou o Dia de Finados).
As semelhanças à tradição portuguesa e católica são muitas. Mas a relação que o povo timorense tem com os seus mortos é muito diferente daquilo que conhecemos.
Este fim-de-semana li um livro sobre a religião tradicional timorense (em particular, do distrito de Lautém, e do povo Fataluku). E como qualquer tema que não se esgota, parece que quanto mais percebo mais há para perceber...







terça-feira, 1 de setembro de 2015

Paz na Terra

"Tem lugar então o período mais crítico da minha vida em Timor-Leste. Detido pelos boinas vermelhas – uma força de segurança indonésia - sou levado para a sede da SATGAS INTEL. Junto-me a cerca de três dezenas de outros presos e, durante mês e meio, somos sujeitos a duros inquéritos acompanhados de tortura. Tortura essa que varia entre agressões a pontapé, choques eléctricos durante 30 a 60 minutos mas que pareciam durar uma eternidade e os rostos queimados com pontas de cigarro, ora na face, ora na nuca." 

Assim testemunha o sr. M que é meu colega por estes dias. 

Sinto-me profundamente impressionado e comovido. As lágrimas assomam. Porque este senhor sofreu algo que nenhum ser humano devia sofrer. Mesmo assim, o sr. M, já grisalho mas com um ar de ingenuidade quase infantil, sorri sempre. Um sorriso franco e leve. Conheceu os efeitos mais perversos da crueldade humana. Mas o sorriso que hoje exibe irradia esperança. A esperança de que a crueldade, por muito densa e enraizada que seja, será sempre reversível.

Lembro-me então da canção natalícia que, a propósito do cântico dos anjos a anunciar Paz na Terra, atira um pensamento perturbador: 


"Não há Paz na Terra, 
porque o ódio é forte 
e faz troça do cântico." 

Mas... os sinos tocam (que é como quem diz: 'o sr. M sorri') e volta a ecoar a promessa:

"Deus não está morto, nem está a dormir,
O mal há-de falhar
O bem há-de prevalecer,
Com Paz na Terra, boa-vontade para com os homens."

Em Timor-Leste há pessoas que, sem consciência disso, fazem teologia com sorrisos.



quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Escala em Bali

Depois de visitarmos a Malásia, um país maioritariamente muçulmano, seguiu-se a ilha de Bali que é maioritariamente hindu. Consta que a partir do século XV DC o islamismo começou a ganhar adeptos por toda a região que hoje constitui a Indonésia, mas Bali permaneceu sempre uma excepção. O hinduismo estava bem enraizado e hoje cerca de 90% dos habitantes da ilha considera-se hindu. Em cada esquina (mesmo em cada esquina!) há um templo ou um altar hindu e a cultura local está impregnada de elementos religiosos.

Bali é uma ilha completamente dedicada ao turismo. A praia e o clima convidam a um turismo de chinelo no dedo, toalha ao ombro e muita descontração. Mas não se pense que os dias em Bali são obrigatoriamente passados no areal! Os nativos souberam aproveitar muito bem todas as potencialidades da ilha para captar turistas: há safaris para ver tigres, tours para ver golfinhos, passeios para ver macacos, filas de espera para ver danças tradicionais, etc. Por um lado, a oferta e a procura são tão intensas que chega a parecer exagerado. Por vezes parece tornar-se uma ilha já descaracterizada, uma ilha que vendeu a alma ao turismo de multidões. No entanto, temos de considerar que a população local está apenas em busca da sua subsistência e fá-lo, regra geral, com inteligência e simpatia.

Num certo sentido, o turismo excessivo, ao invés de ser aquilo que nos impede de aceder à cultura crua de Bali, constitui já a própria cultura de Bali. Talvez possamos dizer que Bali representa muito do que Timor-Leste poderá vir a ser no futuro em termos de turismo. Poderá nunca atingir as estatísticas de Bali (e talvez isso nem seja desejável), mas aprender a usar aspetos da cultura local para cativar turistas e gerar receitas. Assim seja!

Serve todo este preâmbulo para explicar que, apesar de inicialmente termos estranhado Bali, num balanço final acabámos por gostar. Compreendemos porque é que tantas pessoas têm um gostinho especial pela ilha. Em Bali é relativamente barato requisitar um carro com condutor para visitar os pontos de interesse. Então lá fomos nós à descoberta de Bali, enfrentando o seu trânsito intenso e confuso, conduzidos pelo sr. Imade.


Aqui fica a reportagem fotográfica destes dias:

O nosso hotel com arquitetura tradicional e os inevitáveis elementos hindús

Orquestra que acompanha a dança tradicional Barong: uma dança em que é recriada uma história da mitologia balinesa.



Os servos da floresta tiram a própria vida perante a observação do Barong, o monstro com aspeto de leão que dá nome à dança.

Visita a um templo hindú. Tivemos de nos ensaiar (ato de vestir uma saia). 

A Débora tentou arrancar umas melodias do xilofone balinês.

O Monte Batur (vulcão ainda ativo) e o lago Batur, vistos da varanda do restaurante em Kintamani onde o sr. Imade nos levou a almoçar.

Café de Bali

Cacau que dá chocolate branco.

Ora bem, consta que este café é o mais caro do mundo porque o processo pelo qual passa lhe confere um sabor de extrema distinção. O processo é bizarro: há um animalzinho chamado luwak (google it) que come os grãos de café, arranca e digere a casca e defeca os grãos fermentados pelas enzimas que o seu aparelho digestivo produz. São esses grãos já defecados que podem ver na imagem... 

Prova de chás e café.

Os terraços de arroz: plantação de arroz em socalcos 

Família de macacos.

Macaco muito mal comportado. 

Macaco em pose. 

Pôr do Sol em Uluwatu. Neste cenário assistimos a mais uma dança tradicional, o Ketac. 

O Ketac é também conhecido por txaka-txaka devido ao som ritmado que os dançarinos fazem repetidamente ao longo de toda a dança.





O Ketac acaba com uma tentativa mal sucedida de lançar o monstro na fogueira.

Jantar romântico em Jimbaran. Especialidade: peixe grelhado (com tempero picante, claro!)

Que biulência, man!!

Para primeira vez não está mal, hein? Aquele miúdo nativo, nascido em cima de uma prancha de surf, é que deu as dicas.



E assim, com mais um belo pôr de sol e um cocktail refrescante, colocámos um ponto final numas férias fantásticas!




quinta-feira, 30 de julho de 2015

Escala em Kuala Lumpur

Depois de três semanas intensas e muito boas em Portugal, sempre a rever amigos, passadas entre Caldas da Rainha, Lisboa, Vila Franca de Xira e Portalegre, reservámos a quarta semana de férias para turismo na Ásia. Aproveitando a viagem longa de Lisboa a Díli, optámos pela rota Lisboa -> Istanbul -> Kuala Lumpur –> Bali -> Díli para fazer paragens mais prolongadas em Kuala Lumpur e em Bali.

Já tinha estado dois dias em Kuala Lumpur em trabalho, em Maio. Na altura não houve oportunidade para visitar os locais turísticos e históricos da cidade e ela não me despertou muito interesse. No entanto, essa primeira impressão foi enganadora. Kuala Lumpur tem os seus encantos! É uma metrópole recente (só no século XIX se desenvolveu para se tornar uma grande cidade) e relativamente pequena (2.2 milhões de habitantes) quando comparada com as mega-cidades asiáticas da China, Coreia, Índia ou Japão.

Kuala Lumpur reflete muito bem a diversidade étnica de que é formada a Malásia: o islamismo predomina e encontrámos muitas semelhanças culturais com a Indonésia (estando a Malásia mais desenvolvida e organizada); há também comunidades consideráveis de ascendência indiana e chinesa e, pelo menos a nível turístico, recebe muitos visitantes caucasianos e do médio oriente.

Do quarto do nosso hotel tínhamos vista privilegiada para as Petronas Twin Towers que já foram em tempos o maior edifício do mundo.



Hoje ostentam orgulhosamente o título de maiores twin towers do mundo... Se há coisa de que os Malaios parecem gostar particularmente é que tudo tem de estar no topo mundial de alguma maneira...

No nosso primeiro dia completo em Kuala Lumpur começámos por ver as torres mais de perto e conhecer um dos muitos Centros Comerciais da cidade, o Suria KLCC. Dizem que Kuala Lumpur é um paraíso para fazer compras. Não foi esse o objetivo da nossa visita e não podemos atestar a justiça dessa fama, mas há um aspeto que podemos realçar: o Suria KLCC tem uma bookstore, a Kinokuniya, de fazer inveja à fnac quer no que respeita aos preços (a maior parte dos produtos tem iva de 6%, mas os livros não têm iva), quer no que respeita à panóplia de livros disponíveis. (Na secção dedicada ao cristianismo encontrámos NT Wrigth, Philip Yancey, Shane Claiborne... isto num país em que 60% da população é  islâmica. Surpreendente!)

Mais tarde fomos num tour com mais 3 turistas e com o guia/condutor, o Chris, malaio de origem indiana que nos explicou, entre muitas outras coisas, que Kuala Lumpur recebe o seu nome da junção de dois rios lamacentos, o rio Kelang e o  Gombak: kuala significa estuário e lumpur significa lama. O primeiro spot ao qual o Chris nos levou foi ao Palácio Real.

Aqui o Chris mostrou-nos umas plantas estranhíssimas, as mimosas ou shy lady... Encolhem-se (literalmente) quando tocadas.

Depois, passando de carro pelo interior da Little Índia, dirigimo-nos às Batu Caves, local de templos hindus localizados em grutas num rochedo, acessíveis através de uma escadaria de 270 degraus.



Dizem tratar-se da maior estátua de Murungan do mundo (lá estão eles outra vez). Junto ao templo há também as Dark Caves, onde se pode fazer uma visita mais geológica e biológica às grutas, e que nos foram recomendadas mas que não pudemos visitar porque fecham à segunda-feira (a regra das segundas-feiras também vigora deste lado do mundo!).

Em seguida, fomos à fábrica de texteis Batik. São tecidos de seda pura pintados à mão, ou de algodão pintados com carimbos e cera de abelha, com várias técnicas que nos foram explicadas, mas que não consigo reproduzir. De qualquer forma, a seda e a arte tornaram os Batik pouco acessíveis às nossas carteiras.



Para terminar, fomos à Royal Selangor Visitor Centre: aqui mostram como são feitas peças usando pewter, uma liga de cobre, estanho e antimónio. A Malásia é rica em minérios! Mesmo tendo já capacidade para concorrer com outros países asiáticos no que respeita à eletrónica, a exploração mineira continua a ser um dos motores da economia, ao lado do precioso óleo de palma.
Aqui também pudemos tirar uma fotografia com a maior caneca de pewter do mundo!



Ficámos a saber que os óscares são feitos de pewter, cobertos depois com ouro.

Assim se passou o primeiro dia!

No dia seguinte apanhámos o metro para a Merdeka Square, aka Praça da Independência. É a zona histórica da cidade onde estão localizados muitos dos principais edifícios históricos.




 A seguir queríamos entrar na zona verde da cidade e o mapa mostrava um percurso que implicava atravessar a pé uma auto-estrada! Mas calma, mãe! Encontrámos alternativa e lá entrámos nesse belo parque de Kuala Lumpur. O objetivo número 1 era cumprir o sonho de criança da Débora: ir ao Parque das Borboletas. Depois de muito andar e suar (ao fim de um bocado o suor a escorrer já podia cantar aquela velhinha dos Delfins ‘sou como um rio...’) chegámos ao destino. A Débora cumpriu o seu sonho (e ainda pôde testar o novo adaptador ‘macro’ que adquiriu para a sua Nikon).




O Parque dos Pássaros é mais famoso que o das borboletas (adivinhem: é o maior do mundo!) mas, pesando o tempo disponível e o interesse que ele nos despertava comparando com outros spots, optámos por não o visitar. Apenas almoçámos lá ao pé no Hornbill Restaurant que vinha assinalado no mapa como um spot obrigatório e que, contrariamente ao nosso palpite inicial, não é caro! Foi um oásis de ar condicionado no meio do parque que escaldava sob o sol tropical e a limonada típica da Malásia, feita de limas muito pequeninas, refrescou até ao osso!

Seguiu-se o Jardim das Orquídeas e dos Hibiscos. Deixo, mais uma vez, as fotografias falarem por mim.



A sul do Parque mora o Museu de Arte Islâmica da Malásia: merece a paragem! Talvez tenha sido o local que mais gostámos de visitar em Kuala Lumpur. Contém maquetes das mais majestosas ou extravagantes mesquitas existentes no Médio Oriente, no Extremo Oriente, na Europa e em África (edifícios lindíssimos), cópias transcritas do Alcorão com exemplos dos vários estilos de caligrafia usados, exemplares de vestuário, jóias, louças, armas dos povos árabes, etc. A arquitetura do próprio museu é singular e bela aos olhos destes dois ocidentais que se deixam encantar pelas abóbadas árabes, os seus ornamentos e cores. (Fiquei particularmente fascinado por uma Mesquita do Usbequistão e porreiro era ir lá ver o edifício ao vivo, mas voar para aqueles lados é dispendioso, caneco!)




Enquanto olhava para tudo isto, ao mesmo tempo que via passar mulheres vestidas dos pés à cabeça com a niqab, a Débora perguntava-se como é que uma cultura colorida e tão ornamentada desaguou em vestes pretas e austeras. De certa forma, talvez seja um alerta para usarmos o mesmo tipo de olhar para analisar a nossa história e cultura.


Não entrámos na Mesquita Nacional, situada junto ao Museu, porque havia fila para vestir a obrigatória túnica roxa (mais parecia o traje de um monge católico da idade das trevas!) e não nos apeteceu esperar. Seguimos caminho: para a Chinatown.


Ali tomámos uma bebida fresca numa antiga Casa de Chá chinesa.


A Chinatown foi uma meia desilusão: é engraçado passear por ruas em que os letreiros estão todos em cantonês; parece que estamos num filme. Mas a Jalan Petaling, principal rua comercial da Chinatown, parece a feira de segunda-feira das Caldas da Rainha. Já pouco tem de tradicional e nós não estávamos interessados em artigos contrafeitos.

Desembocámos na Clock Tower Square onde ainda se encontram casas de arquitetura europeia (mostrando a influência holandesa e, claro, a influência inglesa) e, claro, uma torre de relógio.


Estando já longa a jornada, apanhámos o metro de volta para o hotel onde ainda houve tempo para descontrair na piscina antes de fazer as malas para viajar muito cedo na manhã seguinte. Kuala Lumpur é uma cidade interessante e merecia mais um dia ou dois de exploração, mas Bali esperava-nos!