Texto de David Raimundo
Fotografia de Débora Raimundo
Esta
era uma viagem há muito esperada. Dos locais obrigatórios de Timor-Leste talvez
só Jaco desperte uma expectativa tão intensa, mas Jaco é muito distante e
obriga a toda uma logística complicada... Ficará para outra altura.
O
fim de semana grande pareceu-nos uma boa oportunidade para visitar e explorar
Ataúro. E assim foi!
Na
6ª feira acordámos às 7 e pouco. Mesmo só tendo barco às 11h e tendo então a
possibilidade de dormir um pouco mais, o nosso relógio biológico já está
demasiado certinho e acabámos por acordar cedo na mesma. É o que dá ter o
despertador a tocar às 6h30m loron-loron.
Optámos por tomar o pequeno-almoço na Brasão, a padaria portuguesa com bolos e
pães que sabem ligeiramente a casa. Depois fomos às compras ao Leader porque o
Touquinho ficaria em terra e precisava de mantimentos para o fim de semana, e
fomos também levantar dinheiro para a nossa aventura de fim de semana. Mais
tarde apercebemo-nos de que, naquele momento, cometemos um erro: levantámos
pouco dinheiro! Ataúro é um destino turístico carote!
Às
10h e picos apanhámos um taxi para a enseada que fica em frente à casa amarela
na Avenida de Portugal – é a sede da representação da U.E. em Timor-Leste. Um grande
grupo de malae juntou-se ali àquela hora para rumar à ilha que mora uns 25 Km a
norte de Díli. Entre eles encontrámos o Tiago e a Inês, dois simpáticos
portugueses que foram nossos colegas no curso de Tétum, e embarcámos na mesma
lancha que eles. O condutor da lancha era timorense, provavelmente de Ataúro, a
julgar pela caixa toráxica a fazer lembrar o Michael Phelps. Conta-se que os
pescadores de Ataúro – que usam ainda técnicas rústicas e óculos de mergulho
feitos de madeira e vidro – são capazes de aguentar quase 10 minutos em
apneia... Infelizmente esta prática tem consequências graves, nomeadamente a
nível auditivo. Muitos pescadores perdem a audição com a idade.
Bom,
a viagem entre Díli e Beloi foi... acelerada. O kattamaram abriu caminho por um mar que, não estando muito agitado,
provocava ainda assim muito atrito agitando e molhando os passageiros. É nestes
momentos que eu desejo ser gordo e baixinho, com um centro de gravidade ao
nível do chão para não me sentir como um saco de qualquer coisa sacudido para
todos os lados (acho que é por isto que nunca gostei de carrinhos de choque)!
Mas este desabafo não deve ser entendido como uma queixa. Nós curtimos a
viagem! Desfrutámos a aventura!
Foi
engraçado vermos a costa de Díli a ficar progressivamente mais distante. A
extravagância da geografia de Timor faz com que, vista do mar, a ilha pareça
uma sucessão de enormes muralhas verdes. São as montanhas, aparentemente
intrasponíveis, e cobertas por uma vegetação abundante neste findar da época de
chuvas.
Depois
de uma hora e picos de solavancos e molhas, chegámos a Beloi: o mar aqui tem um
teor de sal tão elevado que, depois de uma viagem destas, a nossa pele cheira a
posta de bacalhau por demolhar!
Em
Beloi despedimo-nos do Tiago e da Inês, mas apalavrámos uma possível ida a
Akrema na manhã seguinte. Eles ficaram hospedados no Barry’s, um local à
beira-mar, com boa fama. Nós tínhamos também ligado para lá mas, por ser fim de
semana grande, já estava lotado. Só conseguimos alojamento na Vila – antiga Maumeta
– que é uma localidade 6 Km a sul de Beloi. Teríamos então de apanhar
transporte para a Vila, mas a fome apertava e optámos por almoçar no Beloi
Beach Hotel (outro dos sítios onde tentámos marcar alojamento, mas também
estava lotado!). O gerente Neyl foi super simpático. Disse que normalmente não
serviam almoços sem marcação (Ataúro acaba por ser um local isolado onde não
chega constantemente a reposição de mantimentos, pelo que é necessário ter tudo
bem contado) mas ía verificar se tinha comida suficiente para nós. Voltou
sorridente dizendo que sim. Nós e os nossos estômagos também sorrimos em
resposta. Comemos frango com tempero de tamarindo acompanhado de arroz (aqui
até o bacalhau com natas acompanha com arroz) e verduras. Refeição catita. O restaurante
do Hotel tem vista privilegiada, decoração à maneira, boa música ambiente e
deixa transparecer a tranquilidade e paz que pontua a vida em Ataúro (mais que
não seja, pelo contraste com o ruído e a confusão urbana de Díli).
Ataúro
pareceu-nos mais arrumado e limpo que qualquer outro local de Timor-Leste onde
já tenhamos estado. As pessoas mais cuidadosas com as suas casas e os seus
quintais. Ordenamento de território mais planeado. É já um destino de
eco-turismo muito interessante.
Depois
de almoçarmos, o Neyl chamou transporte para nos levar à Vila: o tuk-tuk ou
tiga-rodas. Em 20 minutos chegámos à Vila.
O condutor era um senhor chamado
Felix e era protestante, pelo que nos
levou também a ver uma igreja protestante. Estima-se que 80% da população da
ilha seja protestante, como resultado da passagem de protestantes holandeses
pela ilha e do trabalho posterior dos missionários locais e portugueses,
incluindo os meus tios Miguel e Carmina. Este é também um contraste com o resto
do país, no qual mais de 90% da população é Católica.
Chegámos
ao nosso pouso: Mahukoko Guesthouse. Trata-se de um restaurante rodeado de
cabanas ali instalado pelo padre italiano da Vila. Diz-se que é uma pessoa que
dinamiza ali uma série de iniciativas para melhorar as condições de vida da
população local. Como o padre é italiano, o restaurante serve pizzas e pastas.
Já tínhamos ouvido maravilhas da comida deste sítio e encomendámos logo pizza
para o jantar.
Depois
de nos instalarmos fomos às compras. Primeiro a loja de biojoias: bijuteria
feita de forma artesanal com sementes, cascas de côco, conchas e corais. Depois
a loja das bonecas. É já um ícone de Ataúro! Nela trabalham 52 pessoas! São
bonecas e outros artigos fofinhos da responsabilidade de uma designer suiça que
também desenvolveu este projeto para ajudar na sustentabilidade da população
local. Os artigos são também vendidos em Díli e até lemos que já chegaram a
lojas portugueses. Mas na fábrica o preço é mais simpático. Por isso estávamos
a planear adquirir várias lembranças. Só que o alarme contabilístico soou:
espera lá, o dinheiro que levantámos não vai chegar para tudo! As nossas
estimativas iniciais tinham sido demasiado optimistas. Foi necessário colocar
freio no ímpeto comprista.
Quando
saímos da loja fizemos contas à vida e percebemos que a viagem a Akrema iria
sair do orçamento. Ainda fizemos a tentativa patética de procurar um ATM na
Vila. Claro que não há! Só mesmo em Díli! Entretanto o Tiago ligou para
combinarmos o dia seguinte e, generosamente, prontificou-se para avançar com o
dinheiro da ida a Akrema e depois em Díli pagaríamos a nossa parte. Um
bem-haja, Tiago!
A
pizza que jantámos era mesmo boa! Feita em forno de pedra, com chouriço e
vegetais e com tempero de toque claramente mediterrânico. Um espanto encontrar
tal manjar, tipicamente italiano, numa pequena ilha do sudeste asiático.
Adormecemos
cedo na nossa cabana, sob um céu estrelado. As estrelas só as vimos bem vistas
às 5h da manhã quando acordámos e fizemos uma mini excursão à casa de banho comum.
Infelizmente a máquina fotográfica não foi capaz de captar o firmamento
pontilhado de luzinhas mil.
Às
6h30m levantamo-nos definitivamente. Tomámos um banho de caneco e serviram-nos
o mata-bicho: café (sempre uma delícia) e pão com ovo.
Às
7h40m apareceu o sr. Felix com o seu tuk-tuk para nos levar até Beloi (já no
dia anterior tínhamos combinado com ele). Deixou-nos junto ao Barry’s onde nos
encontrámos com o Tiago e a Inês. O Nautilus 54 estava à nossa espera para nos
levar a Akrema.
Fomos
desfilando por entre um sem número de garrafas de plástico que os pescadores
usam para sinalizar as culturas de algas. As algas crescem em torno de estacas
e este tem sido um negócio importante para a população da região. São
procuradas para alimentação e também, possivelmente, para a indústria dos
cosméticos e para a indústria farmacêutica.
Depois
de cruzarmos o Pacífico rumo a nordeste durante cerca de uma hora, chegámos a
Akrema: é uma praia de Areia Branca e águas cristalinas, um lugar virgem, de
uma beleza natural deslumbrante, onde pudemos nadar e descansar ouvindo-se
apenas o mar. Não deu para o snorkeling porque o mar estava agitado pelo vento
e não permitia boa visibilidade. Mas Akrema é um bálsamo para o coração. Na
praia só estávamos os cinco: nós e o condutor do barco. Muita tranquilidade e
beleza para desfrutar com exclusividade!
Voltámos
a Beloi pelas 11h para almoçar no Barry’s com o Tiago e a Inês. A comida estava
muito boa e incluiu peixinho grelhado! Depois fizemos negócio e adquirimos uma
estatueta para a nossa sala: o pensador, versão ataúrense!
Aos
sábados há um barco grande que faz o trajeto Díli – Ataúro – Díli. É o Nakroma!
Leva muita gente, muita carga, muito mais tempo também. É bom para quem queira
fazer uma visita curta a Ataúro. Também ao sábado, aproveitando a ida e vinda
do Nakroma, há em Beloi um grande mercado de tudo um pouco. Passeámos por ali,
no meio do cheiro forte do peixe seco e do polvo seco que se vendem com
fartura. Ainda não ganhámos coragem para provar...
Depois
despedimo-nos do Tiago e da Inês e fomos apanhar o tuk-tuk para regressarmos à
Vila. Chegando lá fomos tomar um banho de caneco para tirar o sal e depois
fomos descansar um bocadinho.
Ao
entardecer, um passeio pela vila. Com tempo para conversar com um senhor e uma
senhora que moram em Maquili, aldeia só acessível a pé, subindo e descendo as
colinas da ilha acidentada. Os senhores falavam um pouco de português porque
fizeram a 4ª classe ainda no tempo colonial. O senhor disse-nos, de forma muito
engraçada, que teve de aprender os rios portugueses e a história dos
descobrimentos e que agora não interessava para nada. E mostrou-nos uma moeda
de 100 escudos que diz ter guardado e agora ninguém a troca por dinheiro a
sério. Dissemos-lhe para guardar a moeda como recordação dos tempos antigos.
Eram um casal muito castiço. Continuaram a sua íngreme caminhada até casa. A
vida nestas paragens pode ser dura!
Também
na Vila ainda se encontram sinais físicos da colonização portuguesa!
Jantámos
o Gnochi. Não correu tão bem como a pizza, apesar de ser igualmente delicioso. Para a Débora foi uma noite agitada
do ponto de vista gastrointestinal. Coisas que acontecem em qualquer lado, mas
com maior incidência em clima tropical...
A
manhã de domingo trouxe um novo banho de caneco. Serviu para despertar e
afastar um pouco o enjoo, o sono da noite mal dormida e também o receio de um
mau resultado do Benfica que jogara com o Gil Vicente durante a madrugada. (O
título está próximo, mas o FCP também...)
Depois
do mata-bicho apanhámos o tuk-tuk e às 9h fomos ao culto na Assembleia de Deus
de Beloi. Participar neste culto foi emocionante porque as pessoas aqui ainda
recordam com muito carinho o pastor Miguel, meu tio. A igreja estava cheia. O
pastor falou, em Tétum, acerca da necessidade de procurarmos a paz. Não só uns
com os outros, mas também a paz de Deus mesmo nas situações de adversidade.
Depois recordámos a morte e ressurreição de Cristo através da celebração da
ceia! Que magnífico!
Quando
o culto terminou saímos muito rapidamente porque a Débora estava ainda fraca e
desidratada. Fomos para o Barry’s que tem um espaço comum espectacular. Ali
ficámos durante muitas horas: a Débora descansou, eu alinhavei este e outro
texto, almoçámos com o Tiago e a Inês e jogámos uma partida de scrabble.
Com
mais força e energia poderíamos ter ido nadar e tentar vislumbrar, mesmo sem
equipamento, a fauna marítima que se diz existir naquela zona da costa. Mas
estávamos cansados e, assim, o Barry’s provou ser um excelente spot para
descanso.
O
regresso a Díli fez-se pelas 17h na mesma lancha que nos tinha levado a Ataúro.
Foi uma viagem marcada por um sublime enquadramento natural: para norte ficava
a ilha de Atáuro com uma bonita luz a iluminá-la; a oeste diferentes
tonalidades celestes pintadas pelo sol que se deitava envergonhado atrás de
algumas nuvens; a este uma lua grande e brilhante; a sul as luzes noturnas de
Díli.
Assim
se fechou o pano de um fim de semana fantástico!